Crise energética continua a assombrar e pode ser problema grave em 2025
O governo descartou retomar o horário de verão neste ano, com a justificativa de que os reservatórios das hidrelétricas, embora em baixa, são suficientes para dar conta do abastecimento. Se para este ano a situação parece controlada, para 2025 há mais dúvidas do que certezas. Como a maior parte do suprimento de energia é garantido pela fonte hídrica, o país depende de chuvas para garantir o atendimento da demanda.
“Para este ano está controlado. O que pode acontecer é apagão em horários de pico, mas isolados. Agora, ano que vem, se não chover o devido, realmente começa a ter problemas mais sérios”, analisa Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
“O grande problema é que a gente vive pendurado na natureza, e aí fica com essa vulnerabilidade muito alta com energia. Existe esta demonização das térmicas. É importante ter energia limpa, mas tem que ter mais térmicas para dar segurança”, avalia.
O nó do sistema elétrico brasileiro é complexo. Ele depende de um fator incerto – a chuva – para o funcionamento adequado das hidrelétricas. Quando falta água, o país precisa acionar mais usinas termoelétricas, o que eleva a conta de luz para o consumidor, por causa do custo do combustível. Enquanto isso, as fontes renováveis ganharam relevância na produção total de energia, mas são inconstantes, uma vez que dependem de sol e vento para funcionar.
As projeções para o período de outubro de 2024 a março de 2025 do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) indicam incertezas com relação ao início e condições do período úmido. A previsão é de que os níveis dos reservatórios continuem a cair até dezembro e, a partir de janeiro, comecem a recuperar o volume.
“Com a estiagem severa dos últimos meses, as próximas chuvas precisam, num primeiro momento, permitir que o solo recupere sua umidade para que, posteriormente, seja observada a elevação dos níveis das vazões”, diz relatório do ONS.
Para Edvaldo Santana, diretor da Neal Negócios de Energia e ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a escassez de recursos hídricos é mais severa do que sugerem as perspectivas oficiais.
“A oferta de energia elétrica para 2025 depende, perigosamente, das chuvas dos primeiros meses do ano. Ainda que o ONS utilize bons parâmetros de aversão a risco, a forma tradicional de estimar a média de longo prazo está longe de capturar os efeitos das mudanças climáticas”, escreveu Santana em artigo no Valor Econômico.
Muita energia solar e eólica, mas com limitações de uso.
A contribuição das fontes renováveis se multiplicou nos últimos anos, mas elas têm limitações: são intermitentes e hoje não há como armazenar sua energia. Esse é um imbróglio relevante no setor, pois elas recebem subsídios que recaem na conta de toda a população.
A energia solar é gerada durante boa parte do dia. Mas, entre 18h e 20h, quando as pessoas chegam em casa, a energia precisa vir das usinas térmicas e hidrelétricas.
Por isso, o mercado elétrico brasileiro pressiona o governo por celeridade nos leilões de reserva de capacidade. Eles permitem que hidrelétricas e térmicas aumentem a capacidade de potência para serem acionadas quando necessário.
Como essas usinas seguram as pontas no horário de pico, os leilões garantiriam algum fôlego para os próximos anos enquanto não se resolve a questão da intermitência das demais fontes. É uma forma de terem investimentos para se prepararem quando houver necessidade, e não apenas correr em cima da hora para resolver o problema.
O último certame ocorreu em 2021. O seguinte, que inicialmente estava previsto para agosto deste ano, não foi realizado. A previsão é de que ocorra até o começo de 2025.
“As energias eólica e solar são bastante usadas e significativas, mas são intermitentes, o que nos faz depender muito da hidrelétrica, que, sem água, pressiona as termoelétricas. As térmicas são contratadas de maneira flexível, quando precisa, e se paga um custo variável”, observa Diogo Lisbona, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura (Ceri/FGV).
Ele lembra que, em 2021, a crise energética foi resultado do mesmo cenário de hoje: os reservatórios chegaram ao período seco muito baixos. Contudo, não espera uma repetição daquela crise, uma vez que os níveis de água nos reservatórios naquele ano eram bem menores que os atuais.
Diante da incerteza do período úmido, o que pode acontecer, segundo o pesquisador, é o governo prorrogar o acionamento das térmicas para tentar poupar os reservatórios por mais tempo. Na prática, significa manter tarifas mais altas nos próximos meses, com o prolongamento da bandeira vermelha na conta de luz.
“Em geral, tenta-se não esvaziar tanto as hídricas acionando as térmicas e se aguarda o período úmido. Se o úmido atrasar ou vier abaixo da média esperada, vai continuar térmica no período úmido. Mas geralmente há alívio”, avalia o pesquisador.
O consultor Ivo Pugnaloni, CEO da Enercons, defende que o país concentre esforços em novas hidrelétricas – e não em usinas térmicas.
“O atual governo brasileiro precisa entender, de uma vez por todas, que não basta geração solar e eólica para fazer a transição energética, pois param de uma hora para a outra de produzir. Essas duas fontes são muito boas, mas têm esse grave defeito”, diz.
“Sem novas hidrelétricas para completar a geração faltante da solar e eólica a cada momento, a nossa matriz vai ter que usar cada vez mais termelétricas, que já são, graças às manobras de lobbies, mais de 37% da capacidade instalada do Brasil”, complementa.
Energia mais cara pesa duas vezes no orçamento familiar.
A energia mais cara por mais tempo significa aperto no bolso do consumidor, tanto na conta de luz quanto no custo embutido em serviços e produtos. Em setembro, o IPCA (principal indicador de inflação do país) subiu 0,44% impulsionado principalmente pela alta da energia elétrica, que deu um salto de 5,36% ante agosto, após a fixação da bandeira vermelha.
“Essa elevação gerou uma pressão significativa sobre o IPCA, respondendo por quase metade da inflação, evidenciando como os preços administrados impactam diretamente o bolso do consumidor”, sublinha Jefferson Laatus, chefe-estrategista do grupo Laatus.
Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, pontua que o aumento dos custos de energia afeta indiretamente vários setores da economia. “No longo prazo, a continuidade de pressões inflacionárias relacionadas à energia pode influenciar a condução da política monetária, dependendo também de como outros componentes, como alimentos e combustíveis, se comportarão nos próximos meses”.
Governo diz ter planejamento para evitar crise energética.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que, com a mudança de cenário – ou seja, a ocorrência de chuvas – e as ações que o governo implementou ao longo do ano, o horário de verão não é “imprescindível”.
Segundo ele, as medidas permitiram que o país chegasse com 11% a mais nos reservatórios de cabeceira em usinas hidrelétricas como Furnas, Itumbiara, São Simão e Nova Ponte.
“Temos a segurança energética assegurada. Há início de processo, ainda modesto, de restabelecimento da nossa condição hídrica. Temos condições, depois do verão, de avaliar esta política para 2025”, disse ele sobre o horário de verão.
Entre as medidas destacadas por Silveira estão a diminuição da vazão das usinas hidrelétricas de Jupiá e Porto Primavera, situadas no Rio Paraná; a otimização nos horários de uso de água na usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará; a maximização dos recursos termoelétricos no período seco; e a redução do despacho de usinas no Norte ao longo do ano, para que pudessem ser usadas agora.
Durante o chove-não-chove para decidir o horário de verão, o ministro já tinha dito que, para além da alteração no relógio, o governo estuda outras medidas, tais como usar mais água de Belo Monte durante os horários críticos, aumentar o limite do uso da capacidade das linhas de transmissão e tornar a linha de Itaipu mais adequada.
Fonte: Gazeta do Povo