Governo Trump mira energia de Itaipu para data-centers de inteligência artificial
O acordo para as bases financeiras do Anexo C do Tratado da Itaipu Binacional deveria ter sido assinado até a semana passada, mas não houve consenso entre Brasil e Paraguai, detentores em partes iguais da produção energética de uma das maiores usinas hidrelétricas do mundo. Um dos principais pontos em debate é a possibilidade de venda da energia gerada para novos parceiros, o que colocou Itaipu e o Paraguai no radar do presidente americano, Donald Trump.
O tratado binacional permite apenas a comercialização do excedente ao país vizinho e historicamente, a economia paraguaia tem recebido recursos brasileiros provenientes da venda da energia não utilizada desde a construção da usina na década de 1970, em Foz do Iguaçu (PR), na fronteira entre os dois países.
Recentemente, o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, declarou que o governo dos Estados Unidos tem interesse na energia gerada pela Itaipu para utilização do excedente paraguaio na alimentação de data-centers para inteligência artificial (IA).
“Temos que discutir como investiremos em países que têm um suprimento de energia capaz de atender a essa demanda. Como, por exemplo, o Paraguai, que tem uma usina hidrelétrica com um acordo de longo prazo com o Brasil para a venda de 50% da energia produzida. Agora que esse contrato expirou estão analisando o que fazer com este excedente de energia”, disse o secretário durante uma audiência da Comissão de Relações Exteriores no Senado dos EUA, no final de maio.
O setor de energia especula que o governo Trump pode investir na instalação de data-centers em território paraguaio para processamento de dados e uso de informações por meio da IA, sendo que o sistema poderia ser sustentado pela energia não utilizada da Itaipu em uma relação comercial com o governo do Paraguai. Além da negociação depender de um novo acordo com o Brasil, o interesse norte-americano pode agravar ainda mais as relações diplomáticas entre os países, abaladas depois da denúncia de espionagem pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Como Brasil pode ser beneficiado por data-centers de Trump com energia de Itaipu
Se a discussão do Anexo C resultar na abertura de mercado para a venda do excedente da energia, o que aumenta a possibilidade de instalação dos grandes centros de processamento de dados pelo governo americano em território paraguaio, o acordo também pode trazer benefícios ao Brasil, principalmente com o fim da obrigatoriedade de compra da energia não utilizada pelo parceiro.
“O Brasil deixaria de ter a obrigação da compra da energia que sobra do lado paraguaio. Isso pode ser vantajoso. A energia da Itaipu é muito cara. Os estados consumidores regulados, das regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste, áreas onde a Itaipu garante o acesso a energia, poderiam pagar menos”, avalia o presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata Ferreira.
No entanto, ele alerta que o interesse do governo americano deve aumentar o poder de barganha dos paraguaios nas tratativas. “Isso poderá dificultar a negociação de condições mais vantajosas para os brasileiros. Também perderíamos os data centers que poderiam vir para o Brasil”, opina.
O presidente da entidade lembra que o governo federal mostrou fraqueza diplomática nas negociações tarifárias encerradas no começo de 2024, com validade de dois anos. “Fizemos concessões desnecessárias e aceitamos condições piores que as que poderíamos obter”, afirma Ferreira.
Ministério afirma que cobra resposta do governo paraguaio
O Ministério de Minas e Energia (MME), informou que antes mesmo de terminar o prazo do dia 30 de maio, o ministro Alexandre Silveira cobrou, de maneira enfática, a aprovação do Anexo C pelos paraguaios. Segunda a pasta, uma das premissas do entendimento assinado pelas altas partes dos governos é a soberania energética dos países, o que está incorporado na proposta brasileira. Ou seja, após a assinatura, ambos os países terão a possibilidade de destinar livremente a sua parte da energia produzida por Itaipu, caso os parceiros cheguem a esse consenso.
Ainda sobre o tema, o MME afirma que a expectativa é de que haja mais uma tratativa diplomática, via Ministério das Relações Exteriores, no sentido de concluir a negociação e reduzir a tarifa para o consumidor brasileiro. O Anexo C é discutido desde 2023, quando as cláusulas venceram com o encerramento do financiamento bilionário para a construção da Itaipu após 50 anos, o que gerou uma economia aos cofres da estatal e expectativa de queda da tarifa de energia no Brasil.
A advogada de Direito da Energia e especialista em questões regulatórias, Maria João Rolim, explica que sem consenso entre os países, permanecem os termos acordados anteriormente. “O Tratado da Itaipu em si permanece valendo, independente da negociação do Anexo C, porque ele tem uma cláusula que diz que enquanto as partes não chegam em um novo acordo, segue o que foi acordado anteriormente”, esclarece.
A direção da Itaipu informou que não se manifesta sobre o tema e que o assunto é prerrogativa das altas partes contratantes, ou seja, dos governos do Brasil e do Paraguai.
Entenda a negociação diplomática para renovação do Anexo C
Historicamente, os paraguaios consomem apenas uma fatia da cota de direito e vendem o restante para o Brasil com valor fixado pelo Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade (Cuse).
Conforme o instituto Acende Brasil, desde 2012 o Paraguai passou a ter mais de 10% da energia suprida pela Itaipu Binacional e em menos de uma década atingiu a demanda de 24%, em 2021 e 2022. No ano passado, ultrapassou a marca de 30% pela primeira vez na história.
O Tratado de Itaipu Binacional, acordado pelos dois países em 1973, previa a revisão em 50 anos, em agosto de 2023. Em abril de 2024, os dois governos fecharam um acordo com o congelamento da tarifa até 2026.
Durante as negociações, o Paraguai defendeu o valor de US$ 22/kW, alegando defasagem na cobrança. Por outro lado, o Brasil propôs US$ 16,71/kW, considerando o valor suficiente para bancar a política petista de “investimentos socioambientais”.
A tarifa foi firmada em US$ 19,28/kW-mês, válida para os anos de 2024 a 2026. O acordo programado para o final de maio deveria definir as diretrizes para o período após 2026. A expectativa do setor de energia é que a tarifa caia para entre US$ 10 e US$ 12/kW-mês, refletindo apenas os custos operacionais da usina.
Fonte: Gazeta do Povo